Conceito- É a infecção que se localiza nos órgãos genitais e que ocorre após o parto ou abortamento recentes, caracterizada por febre de 38ºC que ocorre em 2 dos 10 primeiros dias pós-parto, excluindo as 24 h iniciais, em tomadas feitas sublingual, 4 vezes ao dia..
Infecções urinarias, pulmonares e mamarias podem ocorrer no puerperio recente, com quadro febril similar ao da infecção puerperal, caracterizando o quadro clinico de morbidade febril puerperal. Assim sendo devemos excluir outras patologias febris presentes no puerperio antes de afirmar tratar-se de infecção puerperal.
Incidência- A tríade letal do ciclo gravidico- puerperal é infecção puerperal (1% a 10%), síndromes hemorrágicas (0.4% a 10%) e síndromes hipertensivas (30%). A IP vem cedendo lugar as síndromes hipertensivas e equilibrando com as síndromes hemorrágicas.
Etiopatologia-
Causas predisponentes:
· Parto cesariana – 20%
· Ruptura prematura das membranas – 21%
· Parto vaginal prolongado e traumático –7.7%
· Hemorragia ante, intra e pós-parto
· Placentação baixa
· Condições socioeconômicas
· Atividade sexual
· Retenção de restos ovulares
· Circlagem
· Monitorizaçào interna
· Idade materna
· Gemelaridade
Na cesárea, as condições que agravam o prognostico da mãe são: cesáreas eletivas complicadas, com maior volume hemorrágico; tardias, após partos prolongados e muito manuseados; com amniorexe prolongada e complicação de infecção materna; com apresentação fetal profundamente insinuada obrigando a manipulações, contaminação e a irritação da cavidade peritonial por liquido amniótico infectado e complicações técnicas- lesões de alças, de bexiga, do ceco-. A infecção endometrial é a mais freqüente, devida entre outras causas a maior manipulação endouterina, a presença de fios de sutura, a necrose isquêmica da cicatriz miometrial, os hematomas locais e o derrame de liquido amniótico na cavidade peritonial (irritação mais infecção).
Na ruptura prematura das membranas, após 12 horas, a cultura do material amniótico mostra-se positiva para as bactérias da flora do canal cervicovaginal, principalmente porque as contrações uterinas favorecem a aspiração intrauterina do material cervicovaginal, que é o contaminante.
Manipulações repetidas no canal do parto, ié, os toques repetidos e as manobras intra cavitários (curetagem pós-parto, descolamento manual da placenta), elevam os índices de IP. Condições agravantes são as manobras dilatadoras do colo e a extração incompleta dos anexos ovulares. O material trofoblástico é um ótimo meio de cultura.
No parto prolongado, quando ocorre um maior intervalo entre a ruptura da bolsa e o parto e a compressão dos tecidos maternos pela cabeça fetal seguida de mortificação dos tecidos locais favorece a multiplicação bacteriana local.
Hemorragia ante, intra e pós-parto levando a anemia com redução da resistência antiinfecciosa.
Placentação baixa, que é a presença de tecido trofoblástico deslocado nas proximidades do canal cervical.
Condições socioeconômicas, com o estado civil não definido que tem como conseqüência um maior numero de parceiros sexuais, elevando o índice de infecções cervicovaginais, hipoproteinemia devido o estado nutricional e pode ocorrer amniorexe prematura, devido o trabalho em posição ortostáticas.
Quanto à idade materna, em adolescente é mais freqüente a infecção endometrial pós-cesaria do que em pacientes mais idosa (44%:15%), talvez devido o comportamento sexual.A atividade sexual em gestação avançada, principalmente em multíparas onde o colo é mais permeável.
Retenção de restos ovulares em extrações placentárias incompletas em partos mal assistidos.
Circlagem tem maior incidência de endometrite em pós-cesárea.
Gemelaridade resolvidas por cesáreas tem maior índice de endometrite e de infecção da parede abdominal devido principalmente ao estado nutricional e a maior hemorragia de dequitação.
Bacteriologia:
Geralmente a IP é polimicrobiana. São na grande maioria da flora intestinal e que freqüentemente colonizam períneo, vagina e cérvice.
Principais bactérias envolvidas na infecção puerperal |
Aeróbios Anaeróbios |
Gram positivos Gram positivos Estreptococos β hemolítico do grupo A Cocos anaeróbicos S.pyogenes Peptococcus, Peptostreptococcus Estreptococos β hemolítico do grupo B Bacilos anaeróbicos S.agalactieS.mastidistis C.perfringes, C.welchi Enterococos S.faecalis, S.faecium Estafilococos S.aureus,S.epidermidis Gram negativos Gram negativos Enterobacterias Bacilos anaeróbicos E.colo,Klebsiella B.fragilis, B.bivius Enterobacter,Proteus Fusobacterium Pseudomonas Haemophilus influenzae Gardnerella vaginalis |
Outros |
Mycoplasma hominis Chlamydia trachomatis |
Formas Clínicas: localizada de inicio, pode se propagar (continuidade, linfático e venoso) e até generalizar, assumindo gravidade prognostica paralela a invasibilidade e a agressividade microbiana.
Localizada | Propagada | Generalizada |
Vulvoperineal | Miofascites Endomiometrite | Peritonite |
Vaginite | Salpingite | Septicopioemia |
Cervicite | Anexite | Septicopiomia |
Endometrite Parede abdominal | Parametrite Pelviperitonite Tromboflebite pélvica | Choque séptico |
Vulvoperineal- Lacerações ou ipisiotomia amplas que invadem a fossa isquiorretal. Nesses casos a execução de ipisiorrafia nem sempre segue com hemostasia perfeita e assim favorece a ocorrência de abscesso local.
O quadro clínico é caracterizado por dor, edema, tumefação local, hipertermia vesperal, defecação e deambulação dolorosas e sensação de estiramento dos fios localizados no períneo e muitos dor ao toque.
Vaginite e Cervicite- Devido à mucosa vaginal traumatizada e a cérvix uterina com lesões necróticas (cervicodilatação incompleta com apresentação cefálica insinuada) juntamente com a flora polimicrobiana.
Quadro clínico- Pobre em sintomas, exteriorizado por abundante secreção seropurulenta e excepcionalmente por temperatura subfebril.
Endometrite- É a forma mais freqüente de infecção puerperal, tem relação direta com cesáreas e intervenções vaginais após partos prolongados, amniorexe prolongado e com muita manipulação intravaginal e intra-útero.
Quadro clinico é caracterizado pela tríade: Subinvolução,dor a palpação e amolecimento corporal. A temperatura oscila entre 37.5 e 38. a loquiação pode ser inodora se for por estreptococos ß hemolítico do grupo A, fecalóide se for por enterococos, E.coli, Bacteróides fragilis.
As manifestações mais precoces ocorrem quando a etiologia for pelos estreptococos hemolítico do grupo B e as mais tardias quando for porChamydia trachomatis, nesta etiologia o quadro clínico ocorre após a alta hospitalar.
Parede abdominal- Mais freqüente nas obesas, na incisão de Pfannestiel, nos partos prolongados com manuseio grande. Na sua etiologia interfere, particularmente a deficiência de hemostasia e o conseqüente hematoma subaponeurótico e/ou do tecido celular subcutâneo.
Miofascites- São raras, São as infecções da área vaginoperineal que se propagam e atingem os músculos e as fáscias proximais.
Quadro clínico é caracterizado por dor local, calafrios e hipertermia, podem ocorrer necrose dos tecidos envolvidos. Crises repetidas de calafrios sugerem a invasão de germes na circulação da puerpera, pode evoluir para o choque séptico.
Endomiometrite- Invasão microbiana do miométrio (microabscessos), é uma complicação da endometrite. A tríade uterina (subinvolução, dor a palpação, amolecimento corporal) assume aspecto mais intenso e surgem crises repetidas de calafrios, hipertermia elevada e persistente . O estado geral fica comprometido e pode evoluir para choque séptico. A loquiação abundante, espumosa e fétida (a microbiana anaeróbica), ou escassa e inodora (estreptococo aeróbio do grupo A). Incidência mais freqüentemente em cesáreas, partos prolongados, amniorexe longa e toques vaginais numerosos.
Salpingite-Anexite- Infecção das tubas e do ovário. Ocorrem em geral após praticas abortivas e conseqüente infecção. Levam a complicações da endomiometrite e com freqüência se associam a quadros de pelviperitonite.
Na fase inicial, atinge a mucosa e a muscular tubária (endomiossalpingite) e pelas vias venosas, linfáticas ou por continuidade, estende-se aos ovários e peritônio pélvico.
Constitui-se em bloco, sob forma de abscesso , a rotura do abscesso segue-se de um quadro de peritonite que com freqüência se complica com choque séptico.
O quadro clinico geral é de taquicardia, hipertermia do tipo supurativo e taquipneia. O local é dor em baixo ventre, que se exacerba com a palpação profunda e com a descompressão brusca, dor aguda a mobilização uterina, sinal de Proust- dor ao tocar o fundo de saco.
A ruptura do abscesso piora o prognostico materno, e se manifesta por dor aguda e súbita acompanhada de náuseas, vômitos e vertigem, queda de pressão arterial, sudorese, agitação e pode chegar ao choque. Na punção de Douglas pode aspirar pus, radiografia do abdome identifica pneumoperitônio.
Parametrite- Pode ser dos parâmetros anterior e posterior, mas freqüentemente é do parâmetro lateral e unilateral. Ocorre devido a lesões cervicais extensas e vaginais que favorecem a invasão microbiana do tecido conjuntivo fibroareolar parametrial. Por disseminação linfática, o processo infeccioso pode se estender entre os folhetos do ligamento largo, constituindo abscessos e flemões com localização alta, baixa e mista.
No quadro clinico, o útero encontra-se deslocado para o lado oposto ao processo supurativo e a sua mobilização -difícil e parcimoniosa- provoca dor intensa. Quando se propaga para o espaço vesicouterino (P. anterior) ou para traz (P. posterior) pode ocorrer, respectivamente, sintomas urinários- Polaciúria, retenção urinaria- e retais- tenesmo e dificuldade defecatoria-. Pode ser um processo infeccioso global, ié, todo o ligamento largo
A US, TC e a RM são indispensáveis para o seu diagnostico topográfico.
Peritonite- A infecção puerperal pode se limitar ao peritônio pélvico (pelviperotonite) ou estender-se a toda cavidade abdominal (peritonite generalizada). Ocorre em partos prolongados, muito manuseados, amniorexe prematura, tentativa frusta de intervenção vaginal.
Ao quadro clinico, observa-se febre alta (40ºC), dor abdominal a descompressão brusca (sinal de Blumberg), evidenciando irritação peritonial, íleo adinamico, sinal de Proust. A queixa dolorosa espontânea, de inicio localizada no baixo ventre, irradia-se para todo abdome. A inspeção a fácie hipocrática- olhos côncavos, nariz afilado e aspecto angustiado-, a língua seca, tendência à posição semi-sentada- reduz a dor-, ocorrência eventual de soluços- irritação frênica-. Náuseas e vômitos provocados pelo antiperistaltismo dos segmentos intestinais, agravados pela sudorese profusa, isto leva a desidratação -hemoconcentração- e alterações metabólicas- hipocalemia, hipocloremia e acidose-.
A gasometria pode identificar queda da pO2 e PH (acidose e hipoxia), elevação da pCO2. Nos casos complicados leva ao choque séptico. Na complicação pode chegar ao empiema.
Tromboflebite Pélvica- No puerperio mediato, após partos normais, após partos vaginais traumáticos e operações cesáreas segmentares com incisão transversa propagada, não são infrequentes complicações venosas profundas (veias dos membros inferiores e da região pélvica) caracterizadas pela ocorrência de tromboses, com ou sem infecção.
A responsabilidade do estado puerperal na incidência da TVP é devido à tríade que se relaciona a esta patologia (lesão do endotélio, redução da velocidade do fluxo circulante, alterações sanguínea). Ocorre a elevação dos fatores de coagulação, do fibrinogênio, criando-se estado de hipercoagulação, agravado no puerperio febril devido a hemoconcentração, e também a presença de inibidores da fibrinolise4, produzidos pela placenta.
Após 3 a 5 dias do parto, ocorrem a hipertermia escalonaste, taquiesfigmia inexplicável e queixas vagas (mal estar, inquietação, angustia) que não tem resolução com a terapêutica antibiótica. Isto deve alertar o obstetra para a tromboflebite pélvica com ou sem migração trombótica. A remissão dos sintomas dentro de 24-36 h. após a administração da heparina, até prova em contrario, sugere esta hipótese diagnóstica. Este diagnóstico é favorecido pelos US, TC e a RM, cuja realização esbarra na complexidade e nos custos.
A embolização trombótica fica patente quando atinge rins (dor localizada na loja renal e hematúria); cérebro por queixas neurológicas e às vezes por quadro convulsivo, e a mais freqüente , a pulmonar com a redução do fluxo sanguíneo ao coração esquerdo e assim queda do debito cardíaco,aumento da pressão pulmonar, necrose hemorrágica na área pulmonar atingida, depressão da função pulmonar. (dispnéia súbita, dor torácica e hemoptise, com evidente queda da pO2 e até choque cardiogênico e morte materna).
Choque séptico- Febre alta continua (40ºC) associada a calafrios, taquicardia, hipotensão e confusão mental. A flora microbiana mais encontrada nesses casos, é representada por E. coli, bacteróides e clostridios.
Exames Laboratoriais
· Hemograma
· Hemocultura – deve se colher o material antes de começar a antibioticoterapia.
· Urocultura- pode ocorrer a bacteruria assintomática por enterobacteria que pode indicar a participação deste microorganismo na infecção puerperal.
· US- é fundamental no diagnostico de retenção de restos ovulares, abscessos e hematomas intracavitarios e de parede abdominal.
Tratamento
Baseia-se na antibioticoterapia assim que o diagnostico tenha sido estabelecido e os materiais para cultura colhidos.
Como a infecção é polimicrobiana, com bactérias aeróbicas e anaeróbicas proveniente da flora intestinal e genital a terapêutica antibiótica deve ser abrangente.
As combinações mais comuns utilizadas são:
1- Ampicilina ou penicilina associada a aminoglicosideo ( gentamicina ou amicacina) e metronidazol
2- Clindamicina em associação com aminoglicosideo.
Em pacientes com função renal comprometida pode substituir o aminoglicosideo por cefalosporina de terceira geração (ceftriaxona) ou por aztreonam.
O esquema 1 é ineficaz contra estafilococos produtores de penicilase, neste caso deve se administrar medicação especifica (oxacilina, clindamicina ou vancomicina), na dependência do antiobiograma ou gravidade do caso.
Contra o enterococos a combinação 2 não é efetiva, deve se associar ampicilina ou penicilina.
Em endometrite não complicada, a antiobioticoterapia parenteral deve ser administrada até a paciente tornar-se afebril ou assintomática por pelo menos 48 h., podendo a paciente ser liberada para controle ambulatorial.
Antibióticos e dosagens habituais empregados na Infecção puerperal |
Agente Dose- Intervalo/Via de administração |
Ampicilina 1g a 2g cada6h/EV Penicilina G cristalina 4 milhões UI cada 4h/EV Gentamicina 1.5mg/Kg cada 8h/EV ou 3.5mg a 5mg/Kg Cada 24h/EV Amicacina 7.5mg/kg cada 12h/EV Aztreonam 2g cada 8h/EV Ceftriaxona 1g cada 12h/EV Metronidazol 500mg cada 8 h/EV Clindamicina 600mg cada 6h ou 900mg cada 8h/EV |
OBS:Metronidazol- atinge anaeróbicos, mas pouco atuante para Gram+ , bacilos aeróbicos Gram-.
Aminoglicosideos- atinge bacilos aeróbios Gram-
Penicilina- atinge cocos Gram+ aeróbios
Profilaxia-
Cuidados de assepsia e anti-sepsia devem ser rigorosamente obedecidos. Deve se recomendar à administração profilática de antibiótico nos casos de partos prolongados, rotura de membranas há longo tempo e submetidos a toques excessivos. Tem sido utilizado ampicilina e a cefalosporina durante o ato operatório e por mais 24-48 h., ou cloranfenicol- 2g até 48h. pós-parto.
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